Coluna do Enrico: O que ainda não se encaixou
Filosofia estóica e cotidiano
Há dores que não fazem sentido até que a vida caminhe mais um pouco
Às vezes, a gente sente uma dor e, além da dor em si, vem junto a frustração de não entender por que aquilo aconteceu. E o problema maior nem é a ferida — é esse vazio ao redor dela, essa tentativa insistente de dar sentido a algo que simplesmente... aconteceu.
Nessas horas, surgem os porquês. Por que comigo? Por que agora? Por que desse jeito? E, como raramente vem uma resposta imediata, a mente inventa: culpa, castigo, carma, azar. Qualquer teoria serve, contanto que nos dê a ilusão de que existe algum controle.
Mas talvez a coisa mais difícil de aceitar seja justamente essa: que não está sob controle. E que nem tudo precisa de uma explicação agora. Crísipo, um filósofo estoico de dois mil anos atrás, dizia que tudo o que existe está conectado por uma razão maior. Uma espécie de lógica universal que organiza o caos, mesmo quando ele parece gratuito. A gente sofre porque quer que tudo faça sentido já, na hora. Mas, às vezes, o sentido vem depois. Ou nunca vem — e, ainda assim, a vida segue.
Olhar para trás costuma ajudar. Tem coisa que doeu tanto lá atrás e que hoje faz parte de quem a gente é. Tem ausências que ensinaram mais do que qualquer presença. Tem silêncio que salvou. Tem recomeço que parecia fim. O que Crísipo propunha não era se conformar com tudo. Era aprender a caminhar com o que é, mesmo quando o que é ainda não faz sentido. Aceitar a dor sem transformá-la em inimigo. Entender que, dentro de um universo que respira há bilhões de anos, é bem provável que algumas dores ainda estejam se ajeitando no tempo.
No fundo, é isso: nem tudo o que acontece tem que ser compreendido de imediato. E tudo bem se, por enquanto, ainda parecer solto, desconexo. Às vezes, o que hoje parece fora do lugar... é só uma peça que ainda não se encaixou.
@enricopierroofc
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